domingo, 8 de fevereiro de 2015

Conto : A Coisa parte 1

Marcelo estava correndo a toda, tropeçando em suas próprias pernas, enquanto tentava não se perder em nenhuma daquelas vielas da comunidade.
Ele havia sentido, que de alguma maneira algo de muito ruim iria acontecer por lá, mas sua preocupação maior era o fato de terem pessoas importantes vivendo ali.
Ouviu uma rajada de tiros, ainda distantes.
Parou para tentar entender de onde vinham, respirou fundo e voltou a correr. Suas pernas finas eram ágeis ante ao perigo iminente e aliado a isso, tinha o pulmão de um atleta.
Porém nem o maior dos atletas estaria preparado para subir aquelas ruas irregulares ainda de terra, repleta de buracos e cacos de vidro.
Mais tiros, dessa vez mais perto.
Marcelo se abaixou atrás de um carro, para se esconder de eventuais balas perdidas. Enquanto respirava, observou pessoas fechando as portas e janelas de suas casas simples, todas elas com um mesmo olhar de medo. Já haviam passado por isso várias vezes e sabiam que o pior ainda estava por vir. Familiares de muitos deles já haviam perecido naquele cenário de guerra, e o mínimo que poderiam fazer era rezar para que não perdessem mais ninguém.
A noite, apesar de tudo, estava com um clima agradável, mas com muitas nuvens escuras anunciando que em breve iria chover. Mas nem isso era o suficiente para impedir que o suor escorresse aos litros.
Se esforçou mais um pouco, agora quase na parte mais aberta da comunidade, quando enfim surge aos tombos uma figura magra de camiseta larga e chinelos. Marcelo não esperava, e tentou parar a corrida, o que quase o fez perder o equilíbrio.
Ele estava armado com uma AK-47, mas a segurava com visível desleixo. Não pareceu se importar com a presença de Marcelo, pelo contrário, olhou para ele com uma face que demonstrava mais do que o puro pânico e finalmente falou aos gritos ainda tentando se levantar para voltar a correr:

_Foge merda!

Tentou se virar, e aos tombos disparou uma rajada para onde o campo de visão do Marcelo não alcançava. O som dos tiros o deixou com um zumbido no ouvido.
O rapaz ainda ainda atirava, gritando como um louco quando uma barra de ferro de pelo menos 1 metro veio voando em sua direção com uma velocidade assombrosa pegando em cheio em seu peito e o encravando em um carro logo atrás.
O jovem largou a arma no chão e tentou alertar a Marcelo novamente, mas suas palavras se perderam em uma golfada de sangue que precedeu sua morte.
Marcelo sentiu seu coração quase pulando fora de seu peito, a frenesi do momento, com aquela mistura de adrenalina e medo o deixaram tonto. Ele não sabia se continuava seu caminho ou se ouvia o rapaz, agora morto, e fugia daquele lugar. 
O tiroteio ficara mais intenso, toda a comunidade estava tomada por completo caos. Seja o que fosse a coisa ou pessoa que arremessou aquela barra de ferro, com certeza haveriam mais por ali. Marcelo sentia seu corpo formigando, mas tomou coragem e continuou correndo cada vez mais para o centro do amontoado de casas, tentando encontrar a casa de sua família.
Finalmente avistou uma área aberta, nada mais que um grande espaço livre de vielas e becos onde as crianças armavam gols com seus chinelos. A casa que procurava estava nos limites desse espaço, mas o que ele viu lá era bem diferente das imagens de sua ingênua infância. Um palco de guerra estava montado. Os bandidos que lá dominavam estavam cercados e atirando como loucos tentando virar a situação. Porém não era uma facção rival ou a polícia, mas algo muito mais assustador, que fez Marcelo repensar a definição de medo, e isso agora vinha em sua direção.

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