segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Dentro de nós

 
Eles estão dentro de nós, e eu sei que você sabe disso.
Começa quase sempre como um pequeno zumbido ou até mesmo um sussurro, dentro de nossas cabeças, nos fazendo ouvir coisas bonitas, coisas que gostamos, coisas que queremos ouvir. Nos alimentam com as palavras mais doces que alguém poderia dizer. Estão sempre certos sobre o que pensamos, ou o que sentimos. Sabem muito, e nos ensinam desses segredos. São nossos melhores amigos e graças a eles nunca nos sentimos sozinhos. Não precisamos mais de ninguém, por que todos são podres.
Eles estão dentro de nós, e eu sei que você sente isso.
O frio, o medo de ninguém te reconhecer. Aquela dorzinha incômoda no peito, pequena para nunca ser encontrada por nenhum médico, mas forte o suficiente para fazer você perder seus sentidos. É nela que eles nascem. É no sentimento de vazio. Na culpa ou na falha. Na tristeza ou no ódio. Eles estão lá, te esperando. Não podem aparecer sem serem chamados, ou sem que haja permissão para isso, e eles amam quando são chamados. Aparecem quase como donos da casa, começam arrumando tudo, deixando melhor do que ela estava antes para depois pararem de se importar, quebram tudo e te expulsam de lá. A casa é deles. Sempre foi. Depois de nos tornarem fortes, nos tornam fracos e esqueléticos, sem nenhuma das coisas que nos deram em algum momento, sem palavras de apoio, sem as palavras bonitas, sem o encantamento. Nada.
Eles estavam dentro de nós, mas agora saíram, perceberam o quanto gostamos de suas palavras e de sua ajuda. Agora estão aqui, do nosso lado, do seu lado. Você sente? Estão tão perto. Respirando bem na sua orelha, te chamando pelo nome, tentando impedir que você leia meu aviso. Sabem que não podemos saber quem eles são de verdade, jamais, porque sabem que só assim poderíamos tirá-los daqui.
Não, eles não são nossos amigos, eles não querem te ver bem porque são bons, querem que confiemos neles para que assim possam fazer o que quiserem de nossas vidas, sem restrições, sem remorso, sem culpa.
Talvez por isso que as vezes algumas pessoas nos olham diferentes, porque sabem que tem algo junto de nós, nos fazendo fingir felicidade quando na verdade estamos tristes, como uma sombra pestilenta, nos seguindo pra cima e pra baixo, eles sempre estão lá, nos vigiando, só aguardando o momento certo para falarem.
Eles estão dentro de nós, e eu sei que você sabe disso. Eu vejo eles todos os dias. E você? 

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Tudo por Nada

 
           
Lembra de mim?
Eu sei, faz muito tempo que não nos falamos, mas não se preocupe, eu sempre estive por perto, sempre te observando, cada passo da sua vida.
Desde pequeno, te acompanhando, sempre como um bom amigo, muito mais próximo do que se pode imaginar, praticamente do seu lado, em corpo e em espírito, ouvindo seus lamentos e tentando te fazer melhorar.
Lembra da escola? Daquele jovem magrinho de cabelo emaranhado, tímido demais pra falar com a garota que gostava, sempre escondido no seu próprio mundo, de cabeça baixa, olhando pro chão, diminuto, frágil, sozinho? Eu me lembro bem. Me lembro daqueles caras bem maiores que você te batendo, te humilhando, te jogando mais baixo do que você já estava. Eles levaram quem você amava, usaram ela é depois descartaram como se fosse lixo. Você não podia fazer nada, como iria contra eles? Como poderia ajudá-la? 
Acho que foi a partir daí que finalmente nos encontramos. O ouvi me chamando, depois de tentar chamar inutilmente por várias vezes o meu inimigo sem que ele te ouvisse, implorando para que eu o ajudasse, e na verdade, foi maravilhoso a primeira vez que nos falamos, não é mesmo? 
Sim, eu não pude negar seu pedido, te ajudei, sempre de coração aberto, e eu adorei fazer isso por você. Juntos conseguimos dar a volta por cima. Juntos crescemos além do que qualquer um acreditaria que você cresceria. 
Te dei a confiança necessária para, com ela, conquistar todo o resto. Conseguiu terminar seus estudos com êxito, passou pra uma boa faculdade, depois um bom emprego, conseguiu promoções com facilidade, dinheiro, mulheres, vários amigos. Que orgulho de você. 
Mas, meu menino, você se esqueceu de quem te ajudou quando você mais precisava, esqueceu de continuar agradecendo a mim. Acho no mínimo medíocre você acreditar que vem conseguindo isso tudo sozinho. Não achou que suas conquistas viriam de graça, achou? Eu vim aqui para receber o meu pagamento por toda a ajuda.  Ouvir o som de minha voz jamais será de graça. Contemplar a graça e o brilho de minha presença tem um preço muito caro e com juros.
Aproveitou sua vida, criança? Aproveitou ao máximo tudo o que te dei? Pois agora é hora de me devolver. 
Sua confiança? Tão fácil de quebrar. Suas habilidades tão superiores, simplesmente irão se tornar nada diante de seus concorrentes.
Seu emprego? Você não terá mais, pois você não acreditará em seu próprio potencial,em sua própria força, e um funcionário sem força não será mais aproveitado nessa empresa patética. 
Seu dinheiro terá um fim, pois você vai acabar com ele se afundando em bebidas e cigarros, pra tentar apagar a depressão de não conseguir fazer mais nada direito, por não conseguir conquistar mais nada.
E seus amigos e suas mulheres? Jamais existiram, eles estavam lá por causa de seus pertences, aliás, boa parte do seu dinheiro terá sido perdido por causa deles. Você estará sozinho, pobre, acabado e desamparado. 
Pense bem no que você vai fazer de agora em diante, pois entre a sargeta e a morte, talvez a segunda opção seja muito melhor, ou você irá aceitar essa vida de merda que tem agora? 
Olha pra essa sua cara, está tão triste. Tente chamar o outro agora, talvez dessa vez ele te escute, diga pra ele o quanto nós fomos próximos e o quanto você foi gentil em seu pagamento. Não leve para o lado pessoal, não estou aqui pra te machucar garoto, na verdade eu gosto muito de você, por isso, quando precisar, pode vir até minha casa, talvez digam que você não pode ir pra lá, mas te garanto que tenho um lugar especial pra você ficar, e eu estarei aguardando ansioso quando você estiver pronto para ir me visitar.
Foi bom negociar com você rapaz, adeus, ou até logo.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A lenda do Blues



Essa cidade, como todas as outras, possui muitas histórias e lendas, algumas verdadeiras e outras tão intrigantes que ficam perdidas na fina linha que divide a compreensão e o que é absurdo.
 Você veio aqui me perguntar sobre algumas delas, e sim, tenho várias para contar, histórias que até mesmo aconteceram comigo, mas não se preocupe, não vão ser de causos de um velho padre do Mississippi que vou encher seus ouvidos, vou te contar sobre uma lenda muito estranha que começou por essas bandas, ainda quando eu era criança.
 Ela é sobre um música, um dos melhores que o Blues já conheceu, você já deve ter ouvido falar dele. Sua música encantou a todos os que ouviram as rádios desse país. Mas o que poucos sabem, é que sua música começou naquela encruzilhada, nos limites da cidade.
 Dizem que no começa ele era um fracasso, que tocava de bar em bar sem receber um tostão por isso, pois tocava muito mal. 
 Ele tentou por muito tempo, mas o fracasso foi a única coisa que ele conheceu. Quando já falido, passou a ser um andarilho, passando a tocar, agora não por dinheiro, mas por comida. Seus únicos pertences eram suas roupas e seu violão antigo dado por um velho amigo. Se entregou a bebida, e sua aparência deplorável só era um reflexo da sua desprezível carreira. Pobre coitado.
 Suas andanças o fizeram passar por lá, a encruzilhada que falei, numa noite enevoada e soturna. Dizem que aquela noite o céu era mais negro que carvão, não se podia sequer ver o brilho da lua. O vento gelava seu corpo, e quando chegou no meio do cruzamento, percebeu que não conseguia saber aonde estava indo. Não enxergava qual rua era qual e desolado, acabou se sentando no chão e lá sacou seu velho violão e começou a dedilhar uma série de notas desajustadas, e junto delas cantou um velho cântico de versos profanos a muito esquecidos da época dos catadores de algodão.
 Naquele momento só era possível ouvir aquela melodia, que passou a se intercalar com o badalar dos sinos dessa velha igreja que estamos. A cada batida que viria a marcar meia-noite, o jovem cantava mais alto. A sua volta, o vento fresco dos canais começou a ficar quente, e as poucas luzes visíveis começaram a piscar enlouquecidas. Quando o sino enfim soou sua décima segunda badalada, o jovem parou de tocar. 
 Silêncio outra vez.
 Ainda no centro do cruzamento, esticou o pescoço e com os olhos cerrados buscou algo a sua volta. Esperou lá por um tempo, apreensivo, até ouvir o som distante de algo batendo no chão. Se levantou em um pulo e abraçado em seu violão e com os músculos rígidos girou em seu próprio eixo para tentar identificar de onde vinha o som. Era como o baque de um bastão de madeira no chão, que lentamente se aproximava cada vez mais. Parecia que vinha de todas as ruas possíveis, senão de dentro de sua própria cabeça. Junto com esse barulho também podia ser ouvido um assobio, calmo e melodioso, tão próximo quanto. Sem enxergar, o jovem músico só pôde ficar rodando como um louco, empapado de um suor tão frio quando gelo.
 O som sumiu, o que só fez aumentar sua apreensão. 
 Tão assustador quanto um barulho misterioso vindo do nada era o seu misterioso sumiço.
 Depois de um tempo em silêncio, se sentiu mais calmo e escolheu uma das ruas para voltar a andar, quando se assustou com a aparição de um senhor bem atrás dele. O susto o fez perder o equilíbrio e acabou caindo sentado no chão. Isso só fez o velho rir com a cena, uma risada sexa que mais parecia uma tosse doente.
 Observando melhor, viu  que o velho mais parecia ser um mendigo, com as costas arqueadas e roupas surradas, barba curta porém emaranhada e suja, assim como seu crespo cabelo branco. Ele andava com dificuldade se apoiando em uma bengala de madeira improvisada de algum galho de árvore. Sem dizer nada o velho levantou sua mão ossuda e apontou para o violão do rapaz, que o entregou relutante. O mendigo se equilibrou torto em uma das pernas e como se fosse um hábil músico, começou a afinar o instrumento um tom abaixo do natural.
 Fez um teste, e executou com maestria uma sequência de notas até então desconhecidas pelo rapaz, que estava observando tudo estático. 
 Devolveu o violão como se fosse uma das maiores relíquias feitas pelo homem. 
 "Toque". Disse o velho com a voz rouca quase falhada. E o rapaz que antes estava falido por nunca tocar uma boa música, de repente começou a tocar o melhor blues que esta cidade, talvez o mundo, já ouvira. Tocou notas impossíveis, que seus dedos jamais alcançaram, até ele mesmo se encantara com aquilo. Quando foi perguntar para o velho o que ele havia feito, foi surpreendido com o toque da bengala em seu peito, na direção de seu coração.
 "Um dia eu pego o que me deve". Disse o mendigo se virando e indo embora. 
 Junto com ele foi-se a névoa, a última coisa que se viu foi o contorno do mendigo largando sua bengala e ficando de coluna reta, colocando elegantemente um chapéu na cabeça, ou pelo menos é isso que se acredita.
 A partir daquele dia, o jovem conhecido como Robert virou um dos maiores cantores de blues já ouvidos, com suas músicas tocando em todas as rádios dos Estados Unidos. Seus ritmos fizeram nossa cidade ser conhecida de novo, e mostrou para todos que nós negros também podíamos fazer boa música.
 Sua morte? Ninguém sabe ao certo o que aconteceu com Robert Johnson. Uns dizem que ele se envolveu com uma moça casada e seu marido acabou o matando. Outros que tinham pessoas que não gostavam de sua arrogância e deram veneno pra ele tomar junto de sua aguardente. Já os brancos da cidade grande dizem que o velho mendigo finalmente tinha voltado pra receber o pagamento pelo pacto feito anos atrás e que sumiu com Robert em meio a outra madrugada de névoa. Tudo o que se sabe é que a última vez que foi visto ele tinha 27 anos e estava tocando naquela casa quando ela não estava caindo aos pedaços. Eu estava lá assistindo e pela primeira vez vi ele parando uma música pela metade, se levantar e sair correndo sem olhar pra trás. Bom, pelo menos é isso o que me lembro.

Esse pacto? Que pacto foi esse padre, e quem era esse mendigo?

 O pacto? A fama pela sua alma. E o mendigo? Hum. O mendigo, meu jovem, era o Diabo. O Diabo. 

domingo, 11 de setembro de 2016

Centelha

                
É tudo tão igual. Toda essa história de acordar sempre no mesmo horário, pra sempre fazer as mesmas coisas, sempre pegar o mesmo caminho pra tudo, sempre os mesmos rostos, as mesmas vozes. Não sei. Só é tudo muito igual.
Eu não escolhi isso, lá no fundo acho que ninguém escolhe ser repetitivo, ou ninguém deveria. Pode ser a melhor coisa do mundo, mas chega a um ponto que você já o fez tantas vezes que simplesmente perde a graça e pouco a pouco vai se tornando vazio. Como uma dose diária de alguma droga injetada diretamente na veia, no início você sente o líquido pernicioso percorrer o seu corpo inteiro enquanto você se deleita com a sensação alucinante. Então você injeta uma segunda vez, e uma terceira, quarta, quinta, e sua mente cada dia mais fraca passa a se perguntar se haverá força para mais doses, ja não suportando mais. O problema é que quando chega a isso, o seu corpo já está tão dependente que torna-se pouco provável sair dessa letargia.
Passei a devagar sobre isso indo para o trabalho, quando pela enésima vez o motorista do ônibus que eu sempre pegava reclamou do trânsito caótico da Alameda 102. Ele sempre saía pontualmente às 7:30h e passava no meu ponto as 7:45h, já nos reconhecíamos, várias vezes me sentei por perto para irmos conversando, mas comecei a me distanciar quando percebi o estranho hábito de fazer comentários repetitivos. No início ficávamos debatendo sobre esses comentários, mas acho que ele percebeu que de tanto ouvir as mesmas coisas eu comecei a ser mais seco. Ele sempre me recebia com um apático mas estranhamente carismático bom dia, seguido de um comentário seco sobre o clima, ou iria fazer frio demais ou iria esquentar, pouco depois começava a resmungar sobre suas depressivas e estressantes condições de trabalho e que nao ganhava o suficiente para isso. Ah, e por fim o trânsito merda da Alameda, que estava sempre engarrafado, e até nisso ele era pontual, sempre fazia o mesmo comentário no mesmo lugar. Eu achava graça, mas de repente eu passei a me incomodar a cada vez que eu ouvia essas coisas. O bom dia passou a ser monotônico e irritante, sua situação de trabalho passou a ser irrelevante e o trânsito apenas a continuação do caos que eu percebi ser minha vida.
_"Será que eu sou repetitivo?" _ passei a me perguntar._ "será que eu finalmente consegui cair na pesarosa monotonia que eu tanto reclamo?"
E o ar que eu respirava pouco a pouco começou a queimar meus pulmões, a luz que me tocava ao amanhecer ardia meus olhos, o hábito de ter que levantar sempre aquela hora e pegar sempre o mesmo ônibus, pra ir ao mesmo lugar e ver as mesmas pessoas, passou a ser a droga que mais fazia mal ao meu corpo. Meus passos ficavam a cada dia mais lentos, e minha voz cada vez mais lamuriosa. Escrever essas notas agora é uma das poucas coisas que me livrava desse ciclo infernal. Me disseram uma vez que precisamos disso, de uma rotina, mas não consigo ver esse hábito sendo tão diferente do mais abrasivo banho de sal das águas do mar.
Entretanto, algo peculiar me faz acreditar que pelo menos um pouco de minhas preces são ouvidas. Uma pequena fagulha, um brilho, tão visível quanto um vagalume perdido no éter do espaço, brota na escuridão da minha ininarrável sequência de repetições. Esse brilho possui a beleza do cristal mais puro, e o cheiro luxurioso do pecado. Por vezes sigo sua luz e ela me leva a um mundo de indescritíveis formas e cores, onde talvez nenhum outro tenha conseguido chegar. Esse lugar só era acessível pelo mundo dos sonhos, o único lugar onde a mesmisse era impossível, onde cada vez que sonhamos passamos a ser algo diferente. A primeira vez que essa luz apareceu para mim eu estava preso em mais um desses ciclos chatos, quando em meio aos grunhidos lotados e olhares frios de pessoas rendidas ao tédio e melancolia, ouvi um som que me fez desviar a atenção, algo parecido com uma risada, difícil de encontrar, mas belo de ser ouvido. Poucos ali emitiam esse som, e por um momento me atrevi a desviar de meu caminho, curioso, tentando encontrar a fonte de tal beleza. Aos tropeços e pedidos embaraçosos de desculpa, segui a fonte dessa melodia até que  encontrei entrando em um ônibus para a Barra da Tijuca  uma criatura linda de cabelos negros e ondulados. Um frágil sorriso me fez esquecer que estava atrasado e um doce olhar fez meu corpo paralisar-se em um estranho torpor estático. Algo ali era diferente, algo me chamava para fugir desse padrão de vida que eu estava seguindo.
Os dias passaram e sempre que eu passava naquele lugar eu observava para ver se encontrava aquela linda criatura sem nunca mais ter essa sorte. Entretanto, vez ou outra eu ouvia bem de longe um fraco ruído que eu sabia ser da risada dela, não conseguia tira-la da cabeça, e de alguma forma, isso estava me fazendo viver minha vida de maneira mais intensa, poque queria chegar o quanto antes em casa e mergulhar de cabeça no universo multidimensional dos pensamentos, lugar este que eu conseguia ver detalhadamente cada traço do rosto daquela pessoa que há de me tirar em definitivo desde inferno repetitivo da vida. Ainda que a lua alcance o negro céu e que as gotas da chuva banhem cada parte de meu corpo prosaico, eu saberei até o fim desse ciclo que aquela quente e deliciosa fagulha foi enviada a mim para ser meu livramento, e acredito que um dia estarei perto o suficiente para que ela queime minha carne com o seu calor.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O perdão que habita em nós mesmos


_Sabe, eu tenho pensado muito em você, em nós, em toda essa situação estranha envolvendo a gente. Não sei exatamente como deixamos as coisas chegarem a esse ponto, tão confuso, tão, estranho. Posso entender se não quiser falar comigo, realmente, acho que faz tempo que nos afastamos, mas eu queria que você entendesse que nunca foi minha intenção, foi tudo um grande erro.
_E depois de tanto tempo me deixando sozinho você vem com essa cara de merda me pedir desculpas? Hum. As coisas devem estar bem difíceis pra você não é?
_Eu sou obrigado a dizer que sim.
_Eu imaginei. E o que você quer de mim? Em que posso lhe ser útil agora?
_Na verdade eu só vim pedir desculpas. Eu quero voltar a falar com você, quero o que tínhamos de volta.
_Desculpas? Você vai embora sem dar satisfação e me abandona por 7 anos. 7 malditos anos e acha que vir aqui de surpresa vai me fazer te perdoar, porra? Você acha que eu sou o que? Uma garotinha apaixonada que vai chorar e te abraçar com o primeiro sinal de redenção ou culpa?
_Eu sei, eu sei. Não esperava que fosse fácil. É que...
_É que?
_Você sabe. Aquele problema de sempre. Eu pensei que eu conseguiria resolver sozinho, sem a sua ajuda, mas quando eu acho que está tudo resolvido, BANG! Essa merda volta pra me atormentar de novo.
 Eu estou perdido. Eu não te deixei aqui por puro sadismo, eu fiz isso pra te proteger. Eu não queria que você passasse pelo que passei. Ta certo, eu fui um idiota, não quis contar nada sobre, preferi dar as costas como se você não existisse, mas agora eu entendo, fingir que você não existe é o mesmo que negar que eu mesmo existo. É uma coisa estranha. É... vazio. Eu vejo todo mundo andando de um lado para o outro, feliz, sempre com alguém que os façam sorrir, seja com uma namorada ou namorado, ou com amigos, são pessoas que estranhamente se combinam, que sempre tem em comum. Mas eu, eu não sei o que acontece, em todo esse tempo não acho ninguém que seja igual, ninguém que sequer seja parecido. As poucas pessoas que encontro parecem se forçar a serem iguais e isso é tão vazio quanto. No final de tudo eu sempre acabo me sentindo sozinho. Pouco a pouco perdi tudo e hoje não consigo mais ter aquela força que você via em mim. Eu só...
_Cala essa boca. Você sempre com esse blablabla de garoto solitário. Você é a vítima? Você é o solitário? Hahahaha. Me poupe dessas suas lágrimas vitimistas. Você diz que vê por aí as pessoas se amando felizes, juntas e de bem. Vou te dizer agora o que eu vejo. Esse mundo que você vê esta fudido. Você está por aí zanzando com esses olhos marejados se importando com pessoas que não se importam com nada além do que elas podem botar no bolso. Ficam rodando como porcos no chiqueiro buscando o reconhecimento de quem nunca vai dar o verdadeiro valor. Isso é o que eu vejo.
 Você fala muito da sua solidão, mas eu que tive que ficar na minha, sem você sequer tomar conhecimento de mim. Já não sei mais quem eu sou, a quantidade de cigarros que eu preciso fumar pra me lembrar ja devem ser o suficiente para me matar. E enquanto eu estou aqui tendo que tentar lembrar de como era quando éramos novos, debaixo da chuva fria, você tem a chance de fazer todas as coisas que você quis e ainda reclama.
_Então você acha que estou fazendo o que eu sempre quis?
_Não está?
_Claro que não. Acho que eu acabei do jeito que você sempre me falou pra não acabar.
_Preso em um lugar que você não gosta, sendo obrigado a repetir uma rotina infita e monótona até os últimos dias da sua vida?
_Quase isso. (Risos)
_Se ferrou. Mas eu também estou nessa. Consegui parar no mesmo ponto que o sr.perfeitinho.
_Pois é. Acho que não somos mais espertos hoje do que quando tínhamos só 15 anos.
_Nem um pouco. Talvez tenhamos piorado um pouco.
_Talvez tenhamos piorado um pouco.
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_Olha, eu-eu te desculpo. Acho que no final de contas eu te abandonei tanto quanto você me abandonou. Eu podia ter ido ficar com você a qualquer momento e nem tentei fazer isso. Admito que fiquei bem puto no início, mas no fundo, sempre acabou em tristeza. A verdade é que, eu não estive com você, mas cara, eu tenho orgulho do que você se tornou. Mesmo com todas as frescuras, todas essas suas viadagens, você se tornou um bom homem. Pode pensar que não estão olhando pra você, mas eu sei que todos estão. Você consegue entender eles mais do que pensa, quando você entender isso vai ver que não vai mais precisar de mim.
_Eu não quero te esquecer de novo. Eu tentei mudar, mas não consegui. Tive medo. Tenho medo.
_Mudanças sempre dão medo, você que me ensinou isso, então trate de parar com essa palhaçada se não eu vou aí e te meto a porrada. Eu entendo essa sua insegurança, mas é isso, somos humanos.
_Somos humanos.
_Somos seres inseguros.
_Somos seres inseguros.
_A partir de agora, sempre que precisar eu vou estar aqui dentro, com você, e sempre que fizer merda eu apareço pra te acordar.
_Será que isso melhora as coisas entre nós?
_Acho que sim. Se não melhorar, agora é o seu que está na reta.
_Verdade. Então tá. Acho que isso não vai ser mais um adeus então né?
_Nem ferrando. Agora vamos quebrar tudo. Até o fim do mundo.
_Até o fim do mundo.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Um Dia Inesquecível

"Já era tarde quando ela finalmente bateu na porta, estava quase uma hora atrasada e sem dar sinal de vida, mas pelo menos chegou. Me levantei do sofá deixando a televisão sozinha em alguma série aleatória que fiquei assistindo enquanto esperava. Fui lentamente até a porta me deliciando com a impaciência nas batidas e finalmente a abri. Rose estava lá, linda como eu esperava, usando o vestido tomara que caia vermelho que eu havia dado a ela a algumas semanas e por cima dele seus longos cabelos ruivos. Olhei para o fundo de seus olhos verdes e me aproximei até selar seus lábios com os meus, o batom dela tinha um sabor característico, algo doce com um leve frescor, que ela sabia que eu gostava.
 Era noite do dia dos namorados, não tínhamos muito tempo para marcar de ir para lugares diferentes e nem dinheiro para lugares caros, então eu resolvi preparar algo especial na minha casa, algo que ela nunca iria esquecer, nenhum de nós iria. Fomos até a sala, caminhando abraçados enquanto ela falava alguma coisa sobre a amiga dela ter feito besteira no trabalho e quase ter sido demitida. Não, eu não me importava com aquilo, na verdade nem sei se era realmente disso que ela falava, nos meus ouvidos só chegava o som de seus lábios se tocando, úmidos e macios, e meus olhos se perdiam no desenho de seus seios.
 Deixei ela na sala procurando algum programa legal na TV enquanto eu fui pra cozinha terminar de fazer a comida, eu poderia ser um ogro em muitas coisas, mas uma de minhas especialidades era a de fazer um delicioso macarrão com molho branco que ficava muito bom com algumas dessas folhas que nunca aprendi o nome. Rose dizia ser engraçado imaginar um cara grande e mau encarado como eu com uma faquinha cortando cebolinhas, mas ela dizia isso sem nem imaginar o quão bom eu posso ser com uma faca, se bem que eu preferia cumprir os trabalhos com minhas próprias mãos.
 Estava pronto, arrumei a mesa da sala de jantar, forrei com um pano branco, com os pratos um de frente para o outro com taças ao lado e no centro algumas velas e uma garrafa de vinho que um amigo me conseguiu. Minha garota ficou surpresa com toda a elegância da noite, puxei a cadeira para ela se sentar, como um digno cavalheiro que eu não era. Me sentei e fintei seus olhos gratos mais uma vez imaginando que ela acreditava que isso seria tudo.
 Ficamos bastante tempo sentados lá comendo, bebendo e conversando, a comida estava boa e o vinho era doce, porém bastante forte, o suficiente pra fazer Rose começar a rir um pouco mais do que de costume. Ela nunca aguentou beber, poucos goles em qualquer tipo de álcool já deixam ela balançada embora comigo, bom, desde novo que eu apostava quem bebia mais com meus amigos. A vela dava um brilho especial a seus cabelos, e seus olhos, ah, seus olhos, eram neles que eu estava focado, eles iriam me dizer o que eu queria, cada pergunta que eu fazia observava friamente seus olhos, para qual lado olhavam, a velocidade em que se mexiam, o brilho, eu queria ouvir ela dizendo o que eu esperava ouvir. Depois de comermos a sobremesa, um pudim que ela mesma havia me ensinado a fazer, finalmente ficamos satisfeitos, e continuamos lá apenas com o vinho até terminar a garrafa. O ponto alto foi quando ela botou a sua pequena mão sobre a minha olhou pra mim sorrindo e disse que me amava. Ela se levantou da cadeira e veio até mim pedindo que eu me fastasse um pouco da mesa, sentou-se no meu colo e ficou me olhando sorrindo, "o que espera fazer comigo me embebedando assim?", perguntou ela. "Nada, vai que você tem algum segredo oculto e você só fala quando está bêbada". A brincadeira fez ela gargalhar alto e eu pra não deixá-la sozinha também sorri, muito mais moderado. Virei com o dedo o rosto dela e lhe dei um beijo no pescoço a fazendo dar uma leve tremida, minha mão desceu para sua coxa e a alisei delicadamente. Sentia sua pele quente e alguns fracos gemidos perdidos em risadas me diziam que eu estava no caminho certo. Nos beijamos mais intensamente enquanto minha mão ia cada vez mais por debaixo de seu vestido, até que ela me segurou, se levantou apalpando sutilmente minhas partes e com um andar sensual me chamou para o quarto.
 Vadia!
 Provavelmente aquela seria a última parte daquela noite. O ponto em que eu faria aquela noite inesquecível. Como o último ato de uma peça grotesca, minhas mão, meu corpo, estava se preparando para a cena final. Sorri, quase com pena, em uma parcela do meu coração eu ainda pensava temeroso se esse seria o caminho certo, se me deixar levar pelas minhas emoções mais uma vez seria o ideal para terminar uma noite daquelas. Sim, ela fez por merecer, ela estava pedindo por isso e eu a faria sentir do que eu sou capaz.
 Me levantei depois de devagar em silêncio, segui pelo corredor com meus músculos tensos e punhos fechados, a única luz que iluminava era a do abajur ao lado da minha cama. Chegando no quarto, ela estava lá, deitada na cama, um pedaço da própria luxúria deitada na minha cama esperando para ser consumida, como se esse fosse o único pecado que eu carregaria comigo naquela noite. Me aproximei e com um pulo ela voou em cima de mim envolvendo minha cintura com suas pernas e meu pescoço com os braços, nos beijamos intensamente, minha mão alternava apertando com força sua bunda ou dançando por seu corpo. Com um puxão forte, rasguei a parte de cima do vestido, deixando seus seios a mostra, caiu novamente na cama e me chamou para chupá-los. Eu tirei minha camisa exibindo meu corpo e terminei de tirar o vestido rasgado, deixando ela apenas com uma calcinha preta muito pequena. Me deitei por cima de seu corpo, fazendo nossos órgãos se tocarem por cima da roupa, apalpei um de seus seios enquanto passei lentamente a língua no outro, fazendo ela gemer baixinho.
 Eu quase me deixei esquecer o porquê daquilo tudo, o prazer era intenso, o toque de sua pele macia ainda era uma das coisas que eu mais gostava, mas não muda a verdade, não muda o fato de que ela não ter me dito ainda o que eu queria, mas já estava mais do que na hora. Saí de cima dela e me deitei do lado, ela tentou ir pra cima de mim, mas em um solavanco eu fiz ela voltar pra mesma posição. Segurei forte na cintura dela e ela entendeu que era pra se manter do jeito que estava. Subi  mão até seu rosto e a acariciei com carinho, fiz um desenho invisível em seu rosto com a ponta do meu dedo e terminei com um peteleco no nariz. "Eu te amo", ela repetiu e eu finalmente perguntei sobre qual seria o segredo que ela mais teria medo de contar. Rose brincou, falou uma coisa, falou outra e desviou, ela é esperta, mas eu a pressionei, perguntei de novo e mais uma vez ela desviou, tentando se virar e terminar de abrir o zíper da minha calça. Segurei em seu pulso com força e de um jeito frio perguntei pela última vez. Ela me olhou, com um pequeno ar de dúvida, tentando entender o porquê desse questionário. Seus olhos perderam o brilho apaixonado por um instante um maldito instante em que eu senti que ela iria manter-se firme ao dizer que não, não tinha segredo.
 Eu ri.
 Eu gargalhei.
 Percebi ela rindo junto, meio sem jeito.
 Vadia.
 Puta.
 Ela achava que eu não sabia. Ela achava que eu não ia descobrir. Achava que eu não tinha visto.
 Fazia um tempo que eu percebia algumas mudanças na Rose. Ela estava diferente, não sei explicar em que, mas eu sentia isso. Por vezes ela chegava perto de mim, e nela eu conseguia sentir um leve cheiro diferente de perfume, um perfume masculino, e junto desse perfume encrustado em suas roupas estava o aroma conhecido e repugnante do sexo. Mas não era comigo, não, eu saberia muito bem se aquele cheiro podre tivesse sido conquistado comigo. A alguns dias atrás eu me escondi em um praça perto do trabalho dela, onde eu estava próximo o suficiente para observar quem entrava e quem saía e longe o suficiente para me misturar com as pessoas e não ser notado. Fiquei lá desde que ela havia chegado. Senti sono por muitas vezes, mas a espera pareceu me recompensar, pois a vi saindo pelo menos 3 horas mais cedo, afobada e olhando para os lados vendo como se estivesse procurando alguém. A segui por algumas esquinas quando uma visão me gelou o sangue. Ela acabara de se encontrar com um homem que eu nunca havia visto ou ouvido falar, e eles se beijaram ali mesmo. Descuidada. A minha vontade foi de ir lá e esmurrar os dois ali mesmo, mas pela primeira vez na minha vida consegui me controlar. Eles andaram um do lado do outro e seguiram até o primeiro motel que encontraram. A cretina não tinha ao menos a decência de foder com outro em um lugar melhor, ela me trai no primeiro beira de estrada que aparece. Meus punhos já doíam de tanto que eu os apertava, meus dentes rangiam com um ódio inominável. Ela iria pagar. Ou ela assumia ou iria pagar.
 Dei a ela até o dia dos namorados para assumir seu erro, joguei várias indiretas e não consegui nada daquela maldita. Ela atuava muito bem, mas ela não sabia que eu também sabia jogar esse jogo de máscaras. Desde aquele dia eu venho sendo a melhor pessoa do mundo, escondendo esse desejo de sangue no meu peito. Sentindo meu corpo arder de ódio a cada beijo que damos. Eu planejaria o dia dos namorados. Nele ela teria sua última chance de dizer a verdade, seja sóbria ou sob efeito do vinho. Desde que ela estava parada na porta, até as perguntas inconvenientes no jantar, todas foram chances para ela contar, e ela preferiu não. Agora estamos aqui. Eu rindo, de raiva, de tristeza, de desapontamento. Vendo essa cretina de peitos de fora me olhando apavorada, já entendendo tudo.
 Ela gaguejou tentando se explicar, começou a soluçar iniciando um choro tosco que eu já não me importava. Botei o dedo em seus lábios e pedi silêncio. Eu não queria ouvir nada, o que foi feito já foi feito e não poderia se consertar. Acariciei seu rosto com minhas mãos calejadas, e pedi para que ela não chorasse, a noite já iria acabar. Me aproximei e a beijei mais uma vez. Minha mão desceu lentamente e enfim envolveu o seu frágil pescoço. Ela havia cometido um erro, um erro grave, com quem ela sabia que não deveria cometer. Já passamos por muita coisa, ela me conheceu quando eu tinha problemas e ela sabia como eu resolvia esses problemas. Ela sabia como eu era, como eu agia quando estava com raiva, sabia que para voltar ao o que eu era antes de a conhecer era uma linha muito fina, uma linha que separava o amor que eu sentia por ela e a mais violenta e bárbara loucura que pode tomar um ser humano possesso de ódio.
 Suas pernas se debateram, suas mãos arranhavam meus braços e meu rosto. De sua boca saíam pequenas e falhas sílabas que em minha cabeça, compreendi como um pedido de perdão. Mas meu corpo não parava, eu já não tinha mais controle sobre ele. Agora, montado em cima de Rose, em uma perfeita posição dominante, eu conseguia ver a vida deixando pouco a pouco seus olhos verdes. Conseguia sentir sua respiração ficando cada vez mais fraca e seu corpo se mexer cada vez mais lento. Aumentei a pressão em seu pescoço e pude sentir um fraco estalo em sua traqueia. Seu último toque foi em meu rosto e ainda olhando para meus olhos vi o brilho se apagar, sua mão caiu mole na cama. Eu acabara de matar a mulher que um dia amei.
 Quando a fúria me deixou eu compreendi o que tinha acabado de fazer. Um pedaço da própria luxúria deitada na minha cama, sem vida. Respirei fundo. Peguei o telefone e liguei para a polícia, em breve eles viriam o que eu havia feito. Minha culpa. Meu pecado. Fui até a última gaveta do meu guarda roupas e peguei a arma que eu deixava guardada. Uma única bala era o que eu tinha, acho que serviria. Da sala eu trouxe comigo uma cadeira, deixei bem em frente à cama, mirando o corpo inerte, despido e pálido de Rose, e com um lençol eu o cobri, não queria que eles a vissem do jeito que estava. Me sentei e com a arma na mão esperei alguns minutos até ver pela janela a luz das viaturas de polícia chegando. Respirei mais uma vez, parando pra pensar agora, que grande merda que eu tinha feito. Rose sempre dizia que era pra eu aprender a controlar minha raiva. Que um dia eu iria acabar matando alguém. Engatilhei a arma, rindo com essa ironia. Ela foi a única pessoa que eu amei, que me traiu, mas sequer me dei ao trabalho de ouvir seus motivos. Será que eu era realmente uma boa pessoa pra ela? Será que eu a satisfazia? Por que ela teria feito isso? Eu nunca vou saber.
 Ouvi a porta da frente sendo arrombada, gritos e passos
apressadas tomaram conta da casa. Olhei para o corpo da linda ruiva de olhos verdes deitado na cama e me permiti sorrir. Talvez nos encontremos no inferno algum dia. Encostei a arma na minha cabeça e antes de os policiais conseguirem entrar no quarto ouviram o estampido da minha arma sendo disparada. Eu não aguentaria os anos na prisão guardando a culpa de ter matado essa mulher então preferi encerrar o dia dos namorados por aqui mesmo.
 Como eu havia dito, uma noite inesquecível."

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Os Segredos do Bruxo


  Uma verdade irrefutável, é que por muitos anos, poucos conseguiram acessar as verdades que se ocultavam nas catacumbas temerosas do bruxo. Nunca soube como expor esses segredos insólitos sem ser confundido com um mero louco, até que encontrou na escrita, na palavra e no relato, a arma definitiva para difundir seu conhecimento.

  E de sua cabeça vieram as palavras. E de suas palavras, as frases. E de suas frases, textos. E de seus textos, idéias e grimórios insanos que mostravam para outros que existia muito mais além do que o firmamento azul e do que o arenoso solo poderiam ter.

  "O que espera escrevendo isso?", já o indagaram.

  Nada.

  Ele não esperava louros. Talvez não quisesse nem reconhecimento. Queria apenas despertar o que há de mais escondido na mente humana. Aquilo que um dia teve que ficar isolado no mais oculto de seu ser. Despertar o sentimento mais antigo e o que fez o mundo se desenvolver até como ele é hoje.

  Despertar o medo e revelar a verdade por trás do oculto.

Agora, acreditar em suas palavras ou não, só depende de você, então, ponha sua sanidade em risco.





quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O Homem de Preto

  Não sei ao certo, mas creio que por muito tempo da minha vida eu fui um cético em relação a essas pessoas que viam espíritos ou coisas do tipo. Sempre ouvi relatos de alguns amigos que diziam ter passado por situações de cunho paranormal, e todas as vezes que ouvia essas histórias, apenas torcia o nariz e tentava imaginar uma explicação científica. Claro, as vezes eu tinha que ser criativo e acabava saindo com uma hipótese bem escabrosa e pagava de "O Racional", afinal, eu me recusava a acreditar nessas histórias e eu devia, por princípios, defender a minha posição científica.

  Foi assim até um ano atrás, quando comecei a namorar a Gabriela, uma garota muito bonita e divertida, com gostos até que bem parecidos com os meus. Seria a moça perfeita para mim se não fosse um ponto: ela dizia ser sensitiva, dessas pessoas que enxergam "coisas". Por várias vezes debatíamos sobre isso, tetando sempre defender nosso ponto de vista sobre o assunto.

  Admito que as vezes ela me assustava um pouco, tipo quando ficava encarando o vazio dizendo que tinha mais alguém na sala, ou quando ela insistia que havia alguma sombra estranha me acompanhando quando eu começava a ficar com a saúde debilitada. As vezes eu contava sobre alguns sonhos, que via uma figura negra usando um chapéu, com olhos vermelhos como brasa e Gabi acertava na descrição antes mesmo de eu começar a explicar. Coisas desse tipo não abalavam a minha fé na racionalização, mas aos poucos me fazia ficar mais inclinado a dar um voto de confiança no que minha parceira acreditava, especialmente depois do ocorrido em uma fatídica noite enquanto voltava para casa.

  Já fazia um tempo que eu vinha sofrendo de constantes dores de cabeça e no corpo, e mais ou menos no mesmo período que essas dores começaram, vieram os sonhos com essa figura negra.
  Certo dia, mesmo com dores, fui visitar a minha namorada. Passei a tarde inteira lá, mas por algum motivo, ela não estava confortável, disse mais de uma vez que estava sentindo uma presença estranha. Como sempre, tentei desconversar e mudar de assunto, mas ela parecia mais preocupada do que o normal.

  Lá pelas 11 da noite me preparei para ir embora, foi oferecido de eu dormir por lá, mas no dia seguinte, bem cedo, eu teria coisas importantes para fazer no trabalho, e não levara roupas para me trocar. Nos despedimos com um longo beijo e com uma voz apreensiva ela me pediu para ter cuidado. Claro, era tarde e a possibilidade de assalto eram grandes.

  Me adiantei e segui andando para o ponto de ônibus. Para chegar lá eu deveria passar por uma longa rua pouco movimentada, com  poucas casas na esquerda e na direita, e muitos postes de luz para iluminar. Segui a passadas rápidas e me distraí um pouco com a minha sombra que se movimentava de frente para trás até surgir na minha frente de novo, por causa dos postes que eu passava.

  Prossegui até que senti um frio na espinha, frio este que me fez também sentir uma ligeira dor na nuca. Parei um pouco e passei a mão na região e com minha visão periférica consegui ver o primeiro poste da rua, do lado que eu vim, se apagar. Achei estranho, mas dei de ombros e voltei a caminhar. Me virei a tempo de ver outro poste se apagar, dessa vez o último poste. Comecei a sentir um vento frio me envolver. Não que eu estivesse com medo, mas era tarde, era melhor eu acelerar. Andei mais alguns metros e acabei dando um pulo ao perceber a lâmpada de mais dois postes de luz se apagando, um do início da rua e outro do final, depois mais dois, e mais dois, sempre no padrão de um no final e um no início da rua.

  Comecei a ficar nervoso com o clima soturno que a rua estava ficando, eu andava tão rápido que sentia que estava quase correndo. Mesmo com o frio repentino eu suava bicas.

  Que diabos estava acontecendo com esses postes e com essa maldita rua que não acabava?

  Continuaram a se apagar. Mais dois. E mais dois. Era como se quisessem me cercar com o breu que estava ficando.

  Não consegui mais andar. Fiquei tonto por um tempo. Dor de cabeça, uma dor muito forte. Fechei os olhos por um segundo para me recuperar e quando percebi havia apenas um poste aceso, e sua luz iluminava apenas onde eu estava. Ao meu redor nada além de escuridão total. Nem a luz da estrada principal no final da rua e nem a das casas eram visíveis.

  Senti medo. Se alguém estava querendo me assaltar, estava tendo muito trabalho para isso. Não conseguia me mexer e nem sabia para onde poderia ir. O único lugar que me parecia seguro era justamente onde eu estava parado, na luz.

  Do escuro ouvi um barulho. Um sussurro indefinido, que aos poucos pareciam vir de todos os lados. Gelei. Tremi. Fiquei tonto. Não sabia o que fazer para me defender.

  O medo me tomava até que ao olhar para o chão vi minha sombra projetada e acabei percebendo outra, logo atrás de mim. Ela tinha o contorno de um homem muito mais alto que eu e com o que parecia ser um chapéu na cabeça. Ele estendeu a mão na direção da minha cabeça e senti a dor voltar. Sua sombra se aproximou da minha, e quanto mais perto chegava mais minha dor aumentava. Quando as duas sombras estavam para se tocar e se tornar uma só, reuni todas as forças que tive e me virei rápido para tentar parar o movimento do agressor.

  Nunca vou conseguir definir a visão que tive. Com certeza não era um assaltante, mas tenho dúvidas até se o que vi era realmente um humano ou não. Ao olhar para aqueles olhos de fogo, senti como se tivessem acertando com um martelo na minha cabeça. Fiquei tonto. Caí de joelhos no chão e comecei a vomitar até não ter mais nada para botar pra fora. Tentei olhar mais uma vez para tentar fazer o meu cérebro compreender o que estava a minha frente. Um ser humanoide de quase 2 metros e meio de altura, vestido apenas com uma capa e um chapéu preto, porém, com uma fisionomia completamente indizível. Me encarou com aqueles olhos de brasa e estendeu a mão para meu rosto. Fechei os olhos, sacudi as mãos como um louco na frente da cara e comecei a gritar com toda a minha força.

  Nenhum outro som.

  Quando abri os olhos novamente era como se nada tivesse acontecido. Todos os postes acesos e os carros da estrada principal passando normalmente. Eu estava de pé e sem mais nenhuma dor no corpo. Eu pensaria que era tudo loucura minha se eu não visse uma senhora me encarando com um olhar apavorado de sua janela a poucos metros de onde eu estava. Ela estava com um terço na mão e fazia alguma oração enquanto me encarava. Eu dei um sorriso sem graça e tomei meu caminho. Olhei para um muro e vi que lá estava pichado: Acredite no desconhecido.  Estranhei. Voltei para casa e lá dormi.

  Depois daquela noite passei a repensar certos tipos de relatos e causos. Nunca mais tive pesadelos com aquela figura negra e Gabriela passou a dizer que me sentia com o espírito mais tranquilo, mais leve. Fui ao médico e ele nada achou em relação às minhas dores de cabeça, que foram embora tão misteriosamente quanto vieram.
Até hoje não sei quem ou o que era aquilo, mas só eu sei o medo que passei. Para quem ler isso atribuo o peso da dúvida, pois já não sei mais em que acreditar. Mas deixo como aviso as palavras que li uma vez e que nunca mais sairá da minha cabeça: A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o medo mais antigo e mais forte é o medo do desconhecido.