quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O Homem de Preto

  Não sei ao certo, mas creio que por muito tempo da minha vida eu fui um cético em relação a essas pessoas que viam espíritos ou coisas do tipo. Sempre ouvi relatos de alguns amigos que diziam ter passado por situações de cunho paranormal, e todas as vezes que ouvia essas histórias, apenas torcia o nariz e tentava imaginar uma explicação científica. Claro, as vezes eu tinha que ser criativo e acabava saindo com uma hipótese bem escabrosa e pagava de "O Racional", afinal, eu me recusava a acreditar nessas histórias e eu devia, por princípios, defender a minha posição científica.

  Foi assim até um ano atrás, quando comecei a namorar a Gabriela, uma garota muito bonita e divertida, com gostos até que bem parecidos com os meus. Seria a moça perfeita para mim se não fosse um ponto: ela dizia ser sensitiva, dessas pessoas que enxergam "coisas". Por várias vezes debatíamos sobre isso, tetando sempre defender nosso ponto de vista sobre o assunto.

  Admito que as vezes ela me assustava um pouco, tipo quando ficava encarando o vazio dizendo que tinha mais alguém na sala, ou quando ela insistia que havia alguma sombra estranha me acompanhando quando eu começava a ficar com a saúde debilitada. As vezes eu contava sobre alguns sonhos, que via uma figura negra usando um chapéu, com olhos vermelhos como brasa e Gabi acertava na descrição antes mesmo de eu começar a explicar. Coisas desse tipo não abalavam a minha fé na racionalização, mas aos poucos me fazia ficar mais inclinado a dar um voto de confiança no que minha parceira acreditava, especialmente depois do ocorrido em uma fatídica noite enquanto voltava para casa.

  Já fazia um tempo que eu vinha sofrendo de constantes dores de cabeça e no corpo, e mais ou menos no mesmo período que essas dores começaram, vieram os sonhos com essa figura negra.
  Certo dia, mesmo com dores, fui visitar a minha namorada. Passei a tarde inteira lá, mas por algum motivo, ela não estava confortável, disse mais de uma vez que estava sentindo uma presença estranha. Como sempre, tentei desconversar e mudar de assunto, mas ela parecia mais preocupada do que o normal.

  Lá pelas 11 da noite me preparei para ir embora, foi oferecido de eu dormir por lá, mas no dia seguinte, bem cedo, eu teria coisas importantes para fazer no trabalho, e não levara roupas para me trocar. Nos despedimos com um longo beijo e com uma voz apreensiva ela me pediu para ter cuidado. Claro, era tarde e a possibilidade de assalto eram grandes.

  Me adiantei e segui andando para o ponto de ônibus. Para chegar lá eu deveria passar por uma longa rua pouco movimentada, com  poucas casas na esquerda e na direita, e muitos postes de luz para iluminar. Segui a passadas rápidas e me distraí um pouco com a minha sombra que se movimentava de frente para trás até surgir na minha frente de novo, por causa dos postes que eu passava.

  Prossegui até que senti um frio na espinha, frio este que me fez também sentir uma ligeira dor na nuca. Parei um pouco e passei a mão na região e com minha visão periférica consegui ver o primeiro poste da rua, do lado que eu vim, se apagar. Achei estranho, mas dei de ombros e voltei a caminhar. Me virei a tempo de ver outro poste se apagar, dessa vez o último poste. Comecei a sentir um vento frio me envolver. Não que eu estivesse com medo, mas era tarde, era melhor eu acelerar. Andei mais alguns metros e acabei dando um pulo ao perceber a lâmpada de mais dois postes de luz se apagando, um do início da rua e outro do final, depois mais dois, e mais dois, sempre no padrão de um no final e um no início da rua.

  Comecei a ficar nervoso com o clima soturno que a rua estava ficando, eu andava tão rápido que sentia que estava quase correndo. Mesmo com o frio repentino eu suava bicas.

  Que diabos estava acontecendo com esses postes e com essa maldita rua que não acabava?

  Continuaram a se apagar. Mais dois. E mais dois. Era como se quisessem me cercar com o breu que estava ficando.

  Não consegui mais andar. Fiquei tonto por um tempo. Dor de cabeça, uma dor muito forte. Fechei os olhos por um segundo para me recuperar e quando percebi havia apenas um poste aceso, e sua luz iluminava apenas onde eu estava. Ao meu redor nada além de escuridão total. Nem a luz da estrada principal no final da rua e nem a das casas eram visíveis.

  Senti medo. Se alguém estava querendo me assaltar, estava tendo muito trabalho para isso. Não conseguia me mexer e nem sabia para onde poderia ir. O único lugar que me parecia seguro era justamente onde eu estava parado, na luz.

  Do escuro ouvi um barulho. Um sussurro indefinido, que aos poucos pareciam vir de todos os lados. Gelei. Tremi. Fiquei tonto. Não sabia o que fazer para me defender.

  O medo me tomava até que ao olhar para o chão vi minha sombra projetada e acabei percebendo outra, logo atrás de mim. Ela tinha o contorno de um homem muito mais alto que eu e com o que parecia ser um chapéu na cabeça. Ele estendeu a mão na direção da minha cabeça e senti a dor voltar. Sua sombra se aproximou da minha, e quanto mais perto chegava mais minha dor aumentava. Quando as duas sombras estavam para se tocar e se tornar uma só, reuni todas as forças que tive e me virei rápido para tentar parar o movimento do agressor.

  Nunca vou conseguir definir a visão que tive. Com certeza não era um assaltante, mas tenho dúvidas até se o que vi era realmente um humano ou não. Ao olhar para aqueles olhos de fogo, senti como se tivessem acertando com um martelo na minha cabeça. Fiquei tonto. Caí de joelhos no chão e comecei a vomitar até não ter mais nada para botar pra fora. Tentei olhar mais uma vez para tentar fazer o meu cérebro compreender o que estava a minha frente. Um ser humanoide de quase 2 metros e meio de altura, vestido apenas com uma capa e um chapéu preto, porém, com uma fisionomia completamente indizível. Me encarou com aqueles olhos de brasa e estendeu a mão para meu rosto. Fechei os olhos, sacudi as mãos como um louco na frente da cara e comecei a gritar com toda a minha força.

  Nenhum outro som.

  Quando abri os olhos novamente era como se nada tivesse acontecido. Todos os postes acesos e os carros da estrada principal passando normalmente. Eu estava de pé e sem mais nenhuma dor no corpo. Eu pensaria que era tudo loucura minha se eu não visse uma senhora me encarando com um olhar apavorado de sua janela a poucos metros de onde eu estava. Ela estava com um terço na mão e fazia alguma oração enquanto me encarava. Eu dei um sorriso sem graça e tomei meu caminho. Olhei para um muro e vi que lá estava pichado: Acredite no desconhecido.  Estranhei. Voltei para casa e lá dormi.

  Depois daquela noite passei a repensar certos tipos de relatos e causos. Nunca mais tive pesadelos com aquela figura negra e Gabriela passou a dizer que me sentia com o espírito mais tranquilo, mais leve. Fui ao médico e ele nada achou em relação às minhas dores de cabeça, que foram embora tão misteriosamente quanto vieram.
Até hoje não sei quem ou o que era aquilo, mas só eu sei o medo que passei. Para quem ler isso atribuo o peso da dúvida, pois já não sei mais em que acreditar. Mas deixo como aviso as palavras que li uma vez e que nunca mais sairá da minha cabeça: A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o medo mais antigo e mais forte é o medo do desconhecido.